domingo, 20 de dezembro de 2009

BELO HORIZONTE

Mais uma vez retorno a essa bela capital. Sei, apenas, que viajei sozinho, não sei para fazer o que! Seria, talvez, para comerciar pedras preciosas encontradas na região de Várzea Alegre, há poucos dias? Só sei que passei por lá durante cinco dias e parece-me que estive hospedado, como em outras ocasiões, no Hotel D. Pedro II, na Rua Curitiba – centro. A verdade é que os detalhes dessa minha estada em BH, não são lembrados. Tenho certeza que não fui a passeio. Devo ter feito essa viagem com algum objetivo profissional. Mas qual? Sei lá! Em todo o caso contarei alguns fatos ocorridos. De Belo Horizonte, mesmo, pouca coisa me lembro. Lembro, sim, que estive lá. E isso basta!
Não podia me esquecer que durante quase uma semana, choveu e fez muito frio e, eu acostumado ao calor e ao sol que reinam por aqui, não cuidei de me agasalhar convenientemente. Também, depois de todos esses dias, sem sequer ter feito um único telefonema para casa, tinha certeza: o tempo aqui para estas bandas anunciava tempestades certas! Também pudera, onde já se viu, nos dias atuais, com tantos recursos de comunicação, alguém permanecer fora de casa e não fazer um único telefonema? É meu rapaz! Puxões de orelha, cocorotes e permanecer de castigo são coisas mínimas, diante da sua falta de consideração para com sua família.
Agora, cuidemos do retorno. Lembro-me que dirigia um automóvel preto. E agora? De que marca e modelo? Basta lembrar-me que era um automóvel preto. Eu fazia essa viagem de retorno a casa através de estradas que escondiam armadilhas por todos os lados: barreiras que deslizavam, surgiam buracos na pista, que mais se pareciam com crateras, tudo causado por essas chuvas torrenciais que assolavam grande parte do Estado de Minas Gerais, especialmente na região leste. Pelo rádio, ouviam-se notícias acerca de vias interrompidas, rios que arrastavam pontes e inundações que ocorriam em várias cidades. Esse era o quadro cinzento dessa viagem; era um salvem-se quem puder!
Em um momento de pouca visibilidade que a chuva intensa causava, senti forte impacto e percebi que meu automóvel se emendara com outro que estava na dianteira. Dois autos se tornaram um e era visível que o carro da frente fazia parte do meu. Dos três ocupantes, duas eram mulheres e um garoto, aparentando ter idade de dez a doze anos. Este viajava no banco traseiro e, com o impacto foi arremessado para o banco do carona do meu automóvel, bem como de alguns pertences dos outros passageiros, dos quais me lembro de um casaco marrom, um chapéu e um vestido pretos. Longo congestionamento se formou nos dois sentidos da via e nossos carros continuavam engatados: dois formavam um! Mas, assim que o trânsito fluiu, o carro que ia a nossa frente conseguiu prosseguir viagem, distanciando-se rapidamente. Quanto ao meu, que sofreu graves avarias, não teve como prosseguir. Assim que percebi que o garoto ficara comigo, eu lhe perguntei: - e agora, como fazemos para alcançar sua mãe e sua tia? Mas ele, simplesmente, me respondeu: - nem uma é minha mãe, nem a outra é minha tia. E porque você viajava com elas? Perguntei. - Sabe, senhor, eu fui abandonado na Bahia e vim para o Espírito Santo, viajando de carona em carona até chegar a São Torquatro e como essas senhoras se hospedavam num hotel, que é próximo à estação ferroviária, me convidaram a acompanhá-las nessa viagem que fizenos até Brasília. Tenho certeza, elas não vão me esperar, não! Mas se o senhor, quando chegar, hospedar-se nesse hotel em São Torquatro, talvez elas estejam por lá, pois foi o local onde eu as conheci.
A viagem ainda foi longa, grande parte dela feita a pé, atravessando pastarias com cercas de arame farpado, córregos escorrendo muita água, devido a essas chuvas que pareciam não ter fim, escalar montanhas, capoeiras e matas, até chegarmos numa estação ferroviária, daquelas em que havia embarque de passageiros, em algum local às margens do Rio Doce. Embarcamos (não entendo, até o momento, como foi possível embarcarmos, pois estávamos imundos, encharcados e exaustos por carregar às costas nossos pertences, inclusive o vestido preto, o casaco marrom e o chapéu preto, deixados por aquelas senhoras) e prosseguimos viagem de trem num vagão de segunda classe, talvez fosse até de terceira, pois além de mercadorias, ali eram transportados animais domésticos (bois, cabras, porcos e galinhas). Agora entendo porque nos deixaram embarcar!
Passando por várias estações localizadas ao longo das margens do Rio Doce, depois essa composição férrea enveredou por uma rota destinada à capital do Estado do Espírito Santo, finalizando o trajeto na Estação Pedro Nolasco, Jardim América, município de Cariacica. Mesmo cansados física e mentalmente o garoto, meu companheiro, desembarcamos e seguimos, atravessando a Ponte do Camelo, chegando a São Torquatro, bairro da cidade de Vila Velha. Lá estava o hotel de que o garoto me falara, onde deveríamos nos hospedar. Talvez aquelas mulheres pudessem ser ali encontradas, pois era meu desejo entregar-lhes o garoto que adotaram como companheiro de viagem. Além de ter cometido falhas, não me comunicando com minha família, chegar a casa com um garoto, que não sei de onde veio, tudo poderia aumentar minhas complicações.
Na manhã do dia seguinte, acordamos, vestimos nossas roupas que mais se pareciam com molambos e, quando chegamos à portaria do hotel, vários colegas auditores fiscais aposentados me aguardavam para prestarem-me homenagem em virtude da façanha que acabava de realizar e cumprimentar-me por ocasião das festas natalinas e passagem para o ano novo. Estava ali Pedro Massariol, Cirênio de Almeida Reis e mais duas colegas de cujos nomes não me lembro. Senti-me envergonhado ante a aparência lastimável em que me encontrava, mas meus colegas me abraçaram e me cumprimentaram efusivamente.
Agora, nem me lembro do destino do garoto que me acompanhou em parte da viagem. Certamente ali nesse hotel, como ele conhecesse bem, ele mesmo encontraria seu destino. Problema maior seria chegar a casa. Deveria contratar o serviço de um taxi e pronto! Nada disso, sem que eu o soubesse já me encontrava repousando no conforto do meu leito. E os castigos? Quem disse isso? Houve algum equívoco, certamente!

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