domingo, 6 de junho de 2010

TODOS DE PRETO

    Sim. Isto mesmo! Todos trajados com ternos pretos sem exceção. Aconteceu de comparecermos a um evento num grande auditório, espécie de plenário, ocasião em que havia algumas dezenas de presenças. Eu estava ali a convite de Domingos e essa longa reunião adentrava a noite, sem qualquer previsão de término.

    Longos discursos em que oradores se revezavam; alguns discursavam como se estivessem tomando posse de cargo relevante; outros prestavam homenagens a personagens presentes e, também, a alguns já falecidos. Enfim, aquele sequência de pronunciamentos carregados de linguagem formal, onde era frequente o uso de verbalização na segunda pessoa do plural, fazendo com que nos sentíssemos pretéritos no tempo.

    Às tantas, noite adentro, Domingos retirou-se provavelmente com destino a casa. Quanto a mim, como o faço costumeiramente, e, com presença de vários interlocutores, perdia-me em longas conversas, pois quaisquer assuntos me servem para dialogar. E assuntos não faltavam, parecendo-me que em presença de colegas escritores, havia referências às obras literárias de capixabas ilustres. Houve momento em que me concentrei em conversas com mais alguns ocupantes que circundavam uma mesa retangular com cantos arredondados, cerca de dez, creio.

    Houve, também, distribuição de alimentos e bebidas. Minha opção foi por sucos de frutas e biscoitos dietéticos. Quanto aos demais consortes, havia até quem tomasse cervejas e refrigerantes, enquanto degustavam salgados fritos e petiscos frios servidos generosamente. Depois dessas degustações, eu me sentia saciado e uma súbita vontade de me retirar fez com que procurasse localizar meu automóvel – um Opala totalmente negro.

Para sair desse local, assim como fizera na chegada, devia passar por vários obstáculos. No primeiro, numa cancela, devia receber cartão magnético para usá-lo no último portão. O caminho de saída era estreito e serpenteava ao meio de móveis como cadeiras, bancos de madeira e blocos de concreto – os famosos "gelos baianos". Apesar de todas essas dificuldades, eu conseguia dirigir meu opala com relativa facilidade, não tocando nem de leve em quaisquer desses objetos; novo problema surgiu quando o Chefe da Segurança constatou que eu portava, de forma visível, um revólver calibre 38. Ele me solicitou, com voz suave, que lhe entregasse a arma, coisa feita por mim sem esboçar qualquer reação, mas convenhamos: porque portar arma sem que fosse detentor de autorização expressa por lei, depois do cumprimento de todas as formalidades. Acaso eu exercia algum cargo que me conferisse tal direito? Mesmo assim, não sei por que razões a arma me foi devolvida e eu aconselhado a não mais exibi-la.

    Novamente, tentando me retirar daquele recinto, repeti a passagem pela primeira cancela, recebi novamente o cartão que me liberava a saída, percebi que a edificação do imóvel era contígua a um cemitério, exibindo as construções de mausoléus e bens de serventia para sepultamentos e demais atividades que lhe são próprias, coisa absolutamente normal, mesmo porque tais estabelecimentos hão sempre de ser edificados em algum lugar. Nesse ambiente, julgados por muitos, coisa bizarra, esquisita e de mau gosto; ocorre aí o descanso pacífico dos restos inertes e sem vida de pessoas outrora belas, graciosas, saudáveis e donas de personalidades ímpares.

No local onde passei maior parte da noite e da madrugada, repentinamente ficou totalmente às escuras, não sei se por falta de energia ou por queda de disjuntores ou coisa qualquer. Assim permaneci por ali, já que o portão de saída não funcionaria sem eletricidade e praticamente todas as pessoas presentes haviam deixado o local. Devia aguardar que o dia amanhecesse. Enquanto isso, eu dormiria para retornar às atividades normais em seguida.

    

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