sábado, 15 de novembro de 2008

CIRURGIA INTERATIVA

Acreditem esta não é mais uma dessas histórias mirabolantes que costumo contar. Acreditem também, nesta história, meu amigo Alberto de Tal é médico, não é o filho, que realmente é médico especializado em cirurgia plástica. Parece-me que Alberto, o pai, nesta história é cirurgião geral e faz operações, onde o paciente interage com ele.
Tudo começou quando me consultei com doutor Alberto de Tal, indicando-me exames minuciosos para tentar diagnosticar uma enfermidade estranhamente rara que me afeta o ouvido: sinto, não, ouço mesmo a campainha da porta de chegada, tocar a qualquer momento, canto de cigarras, de grilos, som do forno microondas quando se desliga ao fim de uma operação, pessoas que me chamam pelo nome durante qualquer hora do dia, da noite e até durante madrugadas. Zunido de secadores de cabelo, de barbeadores elétricos, inclusive sons daqueles rádios antigos equipados com válvulas: eles roncavam, assoviavam e estalavam. Pois é, ouço tudo isso e mais coisas de que não me lembro no momento.
O tal doutor ouviu minhas queixas, dizendo-me com comparecesse à sua clínica, onde faz exames minuciosos e, se for o caso, realiza cirurgias. Agendei data próxima por causa do aviso de que isto era caso de urgência, embora ele não tivesse me fornecido qualquer diagnóstico. Tal dia e hora marcados, eu compareci à clínica: era o único paciente marcado para todo esse dia. Doutor Alberto, assim que cheguei iniciou o atendimento, colocando-me sentado a frente de um teclado de computador que não exibia letras, acentos, números ou quaisquer outros sinais, nem mouse possuía, me dizendo que eu devia preencher uma ficha nessa máquina, informando nome, dados pessoais e queixas, ou seja, todas aquelas sentidas e as que sentira em outros tempos quaisquer.
Iniciei digitando até esgotar todo o repertório de sintomas de enfermidades novas e antigas; não deixando de relatar minuciosamente todas as cirurgias a que já tivesse sido submetido. Ao final, eu disse que havia terminado. O médico disse: “não precisa fazer mais nada, o computador fará o restante do trabalho, apenas aguarde”. Depois de alguns segundos, num formulário contínuo, uma impressora exibia relatório completo. Nisso, doutor Alberto me pediu que lhe adiantasse trezentos reais. Levei a mão no bolso e lhe entreguei três notas de cem reais. Informou-me que tal adiantamento seria para cobrir possível despesa com anestesia geral, dizendo-me que aguardasse, pois outros membros da equipe médica que cuidaria do meu caso não tardariam em chegar.
Permaneci sentado numa poltrona, por várias horas, de onde transmiti meus dados por aquele estranho computador, até que três médicos de fisionomia nipônica chegaram; aquela poltrona se fixava sobre trilhos, com uma haste lateral equipada com discos, tocando um barranco de terra argilosa (imagino esse contato como se fosse uma espécie de aterramento para neutralizar a energia estática da aparelhagem). Chegando ao final dessa longa sala, um dos médicos da equipe aproximou-se de mim e inseriu uma agulha, equipando uma seringa, num dos meus dedos polegares, a pretexto de que o sangue serviria para determinar minha taxa de oxigênio, ou seja, o grau de saturação. Enquanto isso, eu fazia nova operação num equipamento periférico de informática para solicitar novo relatório a respeito do meu caso. Novamente me solicitaram que eu operasse o equipamento. Toque em apenas uma tecla e novo relatório foi impresso. Desta vez para ser apreciado pela equipe de médicos recém chegada. Aquela agulha que perfurou meu polegar não me causou dor alguma, apesar da perfuração ter sido feita sob a unha. Isso, realmente, se pareceu algo estranho. Novamente a poltrona deslizou sobre trilhos, reconduzindo-me ao ponto inicial.
O médico que se parecia ser o mais idoso do grupo aproximou-se de mim com um algodão embebido em alguma substância volátil que eu devesse aspirar pelas narinas; deveria assim ser anestesiado, processo tornado lento, quando um dos médicos disse: “a dificuldade de a anestesia fazer efeito se deve ao fato do processo avançado de sinusite deste paciente”. Enfim, parecia que já estivesse anestesiado; embora consciente, nada sentia.
A poltrona em que me assentava, assim que colocada na horizontal, tornou-se mesa cirúrgica, embora não ouvisse nada, podia ver tudo que se passava nessa fase da cirurgia. Vi quando doutor Alberto introduziu-me seguidamente uma espécie de broca elétrica em cada uma das narinas. Como afirmo nada senti, apenas tive medo quando um médico, aparentando ser o mais jovem do grupo, disse que era hora de tratar-me da orelha, introduzindo uma grossa e comprida agulha no canal auditivo da orelha direita; entretanto nada senti, pois o efeito do anestésico ainda se fazia presente.
Apesar de anestesiado, eu estava lúcido e imaginava no alto custo de todo esse procedimento cirúrgico capaz de remunerar, de uma só vez, grande equipe de médicos especialistas. Lembrando-me que, apesar de ter cobertura de dois planos de saúde, não se cogitou em nada disso. Certamente, eu teria que arcar com preço de uma cirurgia que, por contemplar novos e revolucionários métodos, tudo à minhas expensas. O pior é que já me sentia lesado, por não ter sido avisado sobre a forma do atendimento e que não há planos que cubram tal tratamento; nem pode ser considerado ético. Embora você, leitor, não saiba, eu sou amigo do bispo, e é, exatamente, a quem devo reclamar.
Depois de tudo, fui avisado que deveria permanecer em repouso por algumas horas e, neste caso, seria prudente avisar minha esposa Anésia para que me fizesse companhia, enquanto permanecesse em observação. Daí, em diante, nada mais me lembra. Será que eu teria perdido os sentidos? O que eu perdi literalmente foi o horário de acordar. Despertei deste sono, além das sete horas desta manhã de sábado, dia de ir às compras na feira de produtos orgânicos e de fazer outras coisas.

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