segunda-feira, 9 de junho de 2008

TOTALMENTE ENCURRALADO


Tinha certa importância a receber de um indivíduo extremamente perigoso; ele era cercado por seguranças, na realidade, bandidos comparsas de organizada quadrilha. Felizmente maior parte de meus créditos já havia recebido, restavam ainda sem pagamento apenas pouco mais de vinte mil reais. Felizmente não era vocábulo apropriado para a encrenca que ainda viria acontecer: viajei a Fundão, cidade distante cerca de 50 quilômetros da Capital, com a intenção de recolher o restante dos meus créditos. Não sabia, mas o pior ainda estaria por acontecer.
Hospedei-me no único hotel da cidade e guardei meu carro, um “Opala” de cor negra, numa vaga de estacionamento disponibilizada pela casa. Fui ao encontro daquele indivíduo a quem eu emprestara o dinheiro. Atendeu-me e marcou para que eu voltasse com hora certa agendada. Enquanto isso podia ver espalhados por toda a cidade, homens trajados com ternos pretos, com “riscas de giz”, chapéus tipo gangsteres americanos, gravatas italianas, sapatos reluzentes. Eu já sabia que esses indivíduos, assim vestidos, faziam parte do bando do facínora de quem eu era credor de alguns reais; entretanto poderiam ser vistos, pela semelhança, com dançarinos de tango argentinos. Mas havia outros parecidos com evangélicos tradicionais (pastores, pregadores ou apenas membros), pois exibiam ternos escuros em tonalidades esmaecidas. Estes seriam meliantes travestidos de cristãos?
Em hora marcada compareci ao local previamente acordado. Vi o homem com quem tinha encontro marcado; ele se vestia à semelhança dos demais membros do grupo e veio até onde eu o aguardava conduzido numa cadeira de rodas. Interessante que até eu me vestia com roupa negra e a cidade era tomada por penumbra de claridade escassa. Assim que atendido, economizando palavras, o devedor me entregou envelope de cujo conteúdo eu não conheci, não tive sequer coragem de colocar o objeto dentro de uma maleta, noutros tempos conhecida como “007” ou “Executiva”. Enfiei tal envelope no bolso, pois abrir a maleta seria uma temeridade já que eu era vigiado por todos os lados, e esses seguranças ou bandidos eram do tipo mal encarado, fazendo qualquer ser racional morrer de medo.
Eu percebia e ouvia planos ameaçadores a que eu estava sujeito, via que não teria como sair vivo dessa cidade, pois constantemente era abordado por algum deles, indagando-me qual era meu carro, qual o horário que pretendia retornar a casa; um dos tais fez-me ameaça de agressão com um pedaço de madeira, simulando atacar-me como fazem os indígenas, como se a madeira fosse um “tacape”, talvez uma “borduna”. O ambiente se tornava a cada momento mais hostil para mim. Eu tinha necessidade premente de sair dessa cidade, mas se o fizesse por meios normais, o risco de sofrer violência era iminente. Mas como sair? Mudar roupa diferente? Descaracterizar minha aparência, colocando peruca, bigodes, barba longa? Travestir-me de mulher? Será que isso seria possível na cidade de Fundão? Os amigos que tive nessa cidade, muitos se mudaram para outras cidades e estados, alguns já passaram para outra dimensão e outros já se encontram como eu, ostentando as mazelas da vida senil. E agora?
Enquanto, tomado de ansiedade, indaguei a um desses ameaçadores indivíduos, onde encontraria um mictório público e ele me indicou local em deveria seguir por corredor mal iluminado e empurrar uma porta em que havia a seguinte inscrição: “WC masculino”. Empurrei-a e, para minha surpresa, havia ali um cambista tomando apostas para o “Jogo do bicho”. Esse agenciador zoológico, antes que lhe dirigisse qualquer palavra, sentenciava: o jogo está encerrado por hoje, mas posso tomar apostas para o dia de amanhã! Simplesmente arranquei do bolso uma nota de “vinte paus” e pedi-lhe para anotar tal quantia no grupo do galo. Francamente não tenho hábito de jogar, nem sei a que número se refere tal ave nesse jogo, mas o cambista anotou simultânea e visivelmente o número “4” em cada um dos quatro blocos, pegou meu dinheiro e sequer me entregou as “pules” correspondentes (com certeza uma jogatina honesta?). Bem nesse momento, apesar de tomado de pavor, imaginei: para interpretar a qual bicho correspondente a dezena final de uma centena, toma-se o número do grupo e multiplica-se por quatro. Bom o grupo anotado nas pules era quatro. Multiplicando-se esse número por quatro, resultariam 16. Assim as terminações das dezenas 16, 15, 14 e 13, tinham como significado o bicho cujo número corresponde ao grupo quatro, mas qual seria o bicho? Eu havia pedido que anotasse o número do grupo do galo. Fazendo novamente regressão das dezenas, restaria a dezena 13, que realmente corresponde ao grupo do bicho galo.
Não achei mictório e continuava apossado de terror, ante as ameaças concretas que sofria, mas numa fração de segundo desvencilhei-me de tudo e pude ir ao banheiro. Já acordado, as ameaças à minha integridade continuavam presentes na memória, tamanha a intensidade que representaram durante essa madrugada.
Vila Velha, 09 de junho de 2008.

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