quinta-feira, 17 de abril de 2008

NOSSA CASA









Foi nessa casa que vivi meus melhores dias da infância; foi aqui que tive fantasias, que vivi sonhos de um mundo que se situava aquém das cordilheiras que fazem de Várzea Alegre ter formato de uma grande bacia convexa. Era exatamente assim que eu via essa terra: uma terra feita para brincar de carrinhos, para brincar de “esconde, esconde”, de pique, de soltar “pipas” ou “papagaios”; para pescar no riacho “Canudo”, para comprar sardinhas em conserva na venda do Tio Júlio, para armar jequis e pegar grandes peixes (e como eram grandes!), naquela época. Também contemplar os plantios de milho, de feijão e de arroz. Assistir o vôo dos passarinhos (canários da terra, periquitos “tuim”, bentevis, assanhaços, rolinhas, juritis, guachos, cambaxirras, saracuras, Joões de barro, as andorinhas no verão e os minúsculos "caga-sebos", como se fossem pequenos canários). Era tempo de ver as queimadas do capim seco para preparar as terras para o plantio; de contemplar os bois, as vacas e seus bezerrinhos, ora a pastar o capim verde, ora a lamber o sal que se lhes disponibilizava nos coxos de madeira pelos pastos afora.

Eram tempos de contemplar as chuvas, os temporais, as ventanias, os relâmpagos que cortavam o céu e iluminando as noites escuras como o breu; depois o ronco das cachoeiras de água barrenta das enxurradas. Ah tempo bom! Bem que poderia voltar para irmos à escola logo pela manhã, depois de ter comido polenta com leite, queijo e lingüiça fritos; andar com os pés descalços por aquela estrada de terra seca, muito quente ao sol do meio dia; lamacenta e escorregadia nos dias de chuva. Como era bom fazer a troca de merenda no horário de recreio na escola, onde se aprendia linguagem, ciências, aritmética, história e geografia; tinha até a tal de “raiz quadrada” e a tabuada que devia ser decorada; escrevia-se na lousa, usava-se uma caneta que se molhava num tinteiro (não sendo raro derramar-se a tinta acidentalmente, tingindo tanto as carteiras como as blusas brancas do uniforme escolar; os meninos com calças azuis marinho e as meninas com saias vermelhas plissadas).

Tudo isso representa a nostalgia de um tempo em que fomos felizes na simplicidade da vida na roça. E hoje como é a vida das crianças que ocupam esses mesmos espaços? Com certeza o progresso lhes dotou de muitas coisas com as quais nem mesmo sonhávamos. Serão elas tão felizes como nós o fomos?

Vila Velha, 17 de abril de 2008.

Idomar Taufner

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