quinta-feira, 11 de setembro de 2008

UM EMPREGO NOVO (OU VELHO?)


Não tenham dúvida que “seu Carone”, aquele idoso que costumava estar sentado numa cadeira próxima dos balcões de produtos resfriados e congelados, gostava de falar sobre suas experiências quando esteve morando nos Estados Unidos da América, de onde, com certeza, trouxe a experiência do ramo comercial dos auto-serviços, muito comuns há várias décadas naquela nação. O bom velhinho sempre puxava uma conversa comigo, parecia mesmo que nutrisse simpatia por nós (eu digo por nós por que, como faço habitualmente, sempre vou às compras, acompanhado de Anésia).
Em determinada madrugada tive a experiência de trabalhar num estabelecimento comercial de seu Carone. Ele me contratou para ocupar o emprego de caixeiro numa loja de sua propriedade, onde já existia uma jovem exercendo o mesmo tipo de trabalho. Antes mesmo de falar a respeito de minhas tarefas, eu faço uma descrição de como era a montagem dessa loja, assim: grandes prateleiras continham fardos e mais fardos de tecidos; alguns expositores exibiam vestuários masculinos, femininos e infantis; numa seção havia expostos brinquedos, a maioria carrinhos, palhaços e outros artefatos feitos de madeira e pintados; bonecas de plástico e roupinhas para vesti-las; num balcão vitrine exibiam-se materiais de armarinho como linhas, agulhas, colchetes, grampos de cabelo, “piranhas” para prender cabelo, alfinetes simples e daqueles usados para prender fraldas, botões, miçangas e miudezas diversas. Havia grande quantidade de chapéus, sapatos, guarda-chuvas, sombrinhas, lenços estampados coloridos. Já num ambiente contíguo exibiam-se expostos carne seca, lombos salgados, bacalhau, sardinhas salgadas, queijos, banha de porco e fumo de rolo. Essas mercadorias juntas exalavam odores, que misturados, faziam presentes aqueles odores próprios das antigas mercearias das pequenas cidades do interior. Apesar da colega de trabalho ter-me recebido, demonstrando boa vontade comigo, me ensinando como trabalhar ali, quer como fazer o corte dos tecidos, fazer embrulhos, pesagem de mercadorias vendidas a granel, inclusive como lidar com o querosene, como abrir a loja pela manhã e como fechá-la à tarde no final do expediente, eu me sentia inseguro nesse primeiro dia de trabalho. Na verdade não consegui vender coisa alguma nesse primeiro dia. Para essas providências, meu patrão entregou-me cópias de todas as chaves do estabelecimento, ficando para o dia seguinte confiar-me o segredo do cofre, onde deveria ser guardado diariamente o numerário das férias provenientes das vendas a dinheiro e dos recebimentos de contas daqueles fregueses que compravam fiado.
No fim de tarde do primeiro dia, realizava-se nessa loja um concurso que consistia em vestir o maior número possível de peças de vestuário numa única pessoa, coisas consideradas invendáveis, para que o competidor ganhasse além das roupas vestidas um prêmio em crédito para futuras compras. Essa competição tinha como objetivo aliciar possíveis clientes e afastá-los dessa forma dos estabelecimentos de concorrentes.
Tamanho foi o sucesso do concurso que o estoque de roupas encalhado desapareceu das prateleiras e houve um grande número de pessoas que não conseguiu participar. Carone prometeu às pessoas que compareceram e não tiveram oportunidade de participar devido ao tumulto que tomou conta do evento. Foram distribuídas senhas aos presentes para serem convocados a participarem de novo evento similar a ser realizado proximamente.
Não fiquei sabendo quem teria ganhado a competição, porque a comissão de julgamento anotou tudo para divulgar os resultados na semana seguinte.
Enquanto isso, no dia seguinte, quando retornei à loja, assim que abertas as portas, comecei a atender a inúmeros clientes. Alguns compravam tecidos, outros, coisas de mercearia como feijão, arroz, queijo, carne seca, sardinhas e açúcar. Outros compravam fumo de rolo, querosene e outras utilidades como panelas, talheres e artigos de armarinho.
Nem percebi, mas a loja nem os clientes já não existiam, nem eu tinha emprego. Tudo não passara de um de meus devaneios na madrugada.


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