quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

ATUANDO NUMA VARA

Não estranhe, pois estive trabalhando numa secretaria de uma vara do judiciário. Minha atuação consistia em fazer exames e produzir laudos periciais em processos que envolviam fatos de natureza contábil. Desta vez fazia exatamente o trabalho para o qual sou habilitado legalmente como bacharel em Ciências Contábeis.
Durante apenas uma madrugada examinei dezenas de processos que requeriam pareceres periciais. Alguns casos se referiam a pedidos de concordata, outros de decretação de falência, mas a maioria dos processos tratava de possíveis sonegações de impostos e taxas, também casos de apropriações indébitas de recursos oriundos de contribuições previdenciárias e de imposto de renda retido na fonte.
Na medida em que eu concluía o exame de documentos contábeis, emitia certidões e pareceres periciais, uma diligente secretária, extremamente habilidosa, digitava e imprimia os textos para serem juntados aos processos respectivos e aos arquivos eletrônicos da secretaria dessa vara judicial.
Havia outros peritos de outras especialidades que examinavam objetos como armas, substâncias químicas (drogas ilícitas). Esses tipos de trabalho eram feitos em laboratórios específicos e, além dos profissionais juramentados, havia auxiliares que lhes davam apoio.
Durante toda essa madrugada, dezenas de advogados compareciam a um cartório para examinarem processos a apresentarem petições sobre esses e outros assuntos, ora tramitando nessa vara judicial. Também havia uma grande sala em que juízes, representantes do Ministério Público, testemunhas e réus prestavam depoimentos registrados por processamento eletrônico e juntadas cópias impressas aos respectivos processos.
Em toda a minha atividade profissional, quer como auditor, contador e professor, eu não me lembro que tenha trabalhado tanto numa só madrugada.
Depois de algumas horas, eu concluí os exames dos processos, a secretária que nos atendia retirou-se. Apenas eu permaneci, lendo e refletindo sobre uma pilha de impressos: publicação de leis, sentenças judiciais, portarias administrativas e outros cujo teor eu não conseguia decifrar. E aquilo era cansativo, mas o silêncio, agora, contrastava com as horas de intenso trabalho realizado por mais de uma dezena de profissionais.
Nesse momento percebi que a sala de trabalho estava totalmente desocupada, apenas eu permanecia. Nesse instante, aquela secretária adentrou a sala, trajando roupa de festa, maquiada e perfumada. Ela veio avisar-me que o expediente havia se encerrada e que ela saía para ir a uma festa. Talvez fosse de aniversário ou qualquer outro evento social. Ela chegou até onde eu estava para despedir-se de mim, eu tentei beijar-lhe o rosto e ela esquivou-se delicadamente, não aceitando a carícia que eu desejava fazer-lhe. Perdoe-me, senhorita! Lembro-me de lhe ter dito, nada mais. E nada mais vi; nem processos, nem computadores. Aquela iniciativa que tomei foi o bastante para apagar tudo que havia visto na madrugada. Sabe-se lá quem eu teria tentado beijar naqueles derradeiros instantes da madrugada, coisa que só existiu na minha fantasia.

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