segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

TORNEI-ME ASSASSINO

Isso já me aconteceu no passado. Tornei-me assassino acidentalmente, quando uma arma que eu portava disparou e atingiu meu melhor ex-amigo. Além de perder esse, toda a sua família deixou de me considerar amigo, se tornando todos eles meus desafetos. Também pudera! O que eu podia esperar a partir desse momento. Não tive sequer coragem de prestar socorro à vítima, não porque fosse esse o meu instinto. Foi por medo mesmo. Eles poderiam reagir violentamente, e até promoverem um linchamento, não me restando outra opção senão a de fugir.
Você, leitor, por acaso conhece a Cidade de Fundão? Pois foi ali que esse fato lamentável ocorreu. Bem se você me respondeu afirmativamente, devo lhe informar que saí correndo serra acima até a Cidade de Santa Teresa, que dista exatos vinte e oito quilômetros. Não fiquei ali, pois sentia que não tardaria ser alcançado, e aí... Bom nem pensar. Continuei caminhando a pé por mais trinta e cinco quilômetros até chegar à localidade de Várzea Alegre. Deveria encontrar um esconderijo e o fiz em casa de minha cunhada Demétria, que nessa época residia na mesma casa em que fiquei alojado quando Romélio e eu éramos sócios de uma farmácia. Ocupei o mesmo quarto de outrora, onde a atual cama ocupava a mesma posição. De nada adiantou ocupar esse esconderijo, pois não tardou que curiosos chegassem para indagar de Demétria porque eu estava escondido ali. Embora ela lhes dava respostas evasivas, mais e mais curiosos vinham e alguns chegaram até à janela do quarto para indagarem diretamente a mim; eu não lhes dava chance, fingindo dormir, coisa que eu não conseguia devido aos sentimentos simultâneos de culpa e de medo. E como li em algum livro: a notícia se espalhava como se fosse “num rastilho de pólvora”, levando a toda a população local conhecer toda a verdade. Assim, eu estava vulnerável tanto àqueles que me perseguiam quanto à polícia, que deveria estar no meu encalço.
Resolvi retornar até Santa Teresa. Ali deveria me sentir mais seguro, mas foi puro engano: quando passava pela rua, conhecidos, amigos e especialmente curiosos apontavam e, de dedo em riste e diziam:
- olhem aí o assassino!
E isso me deixava a cada vez mais ansioso, sentindo minha respiração ofegante aliada ao cansaço extenuante das longas caminhadas.
Cheguei à casa de Renato, sobrinho de Anésia. Ele havia colocado à frente da rua, que era naquele local em que antigamente funcionara a cadeia pública, montes de areia para serviriam como trincheiras no caso de sermos atacados pelas pessoas que me procuravam para fazerem justiça com as próprias mãos. Renato me entregou um revólver de marca famosa e uma espingarda calibre doze de repetição. Ele me orientou a que me postasse atrás desses montes de areia para me servirem de escudo no caso de troca de tiros. Fiquei ali por alguns instantes a sós, quando vi policiais militares sendo municiados com potentes armas como fuzis e metralhadoras. Não tive dúvidas: a força policial se dirigia na minha direção. Rapidamente escondi o armamento e me postei diante da casa, aguardando a chegada da força policial constituída por um militar que portava uma metralhadora e duas policiais femininas que traziam um pedaço de tecido de lona (imaginei que tal tecido serviria, caso eu reagisse, para me imobilizar como se fosse algo parecido a uma camisa de força). Assim que o grupo se aproximou, eu disse em voz alta:
- a quem procurais?
- é você que se chama Idomar?
- Positivo, respondi, elevando meus braços, numa atitude de entrega, como o fazem as pessoas quando abordadas para serem presas.
As duas policiais iniciaram simultaneamente: enquanto uma fazia minha identificação datiloscópica completa a outra me colocava suavemente um par de algemas. O que acabava de acontecer comigo? Estava preso e sob a custódia do Estado e isso me trouxe uma completa sensação de confortável segurança. Toda a ansiedade e o medo que sentia desapareceram completamente. Finalmente estava em paz. Será que esse sentimento ocorre comumente quando as pessoas são presas? Eu sabia perfeitamente que merecia ser julgado e até condenado pela morte do meu amigo; não pela intenção, porque ela não existiu, mas devia, sim, ser responsabilizado por minha negligência de portar uma arma sem qualquer necessidade: o uso de arma é restrito às pessoas que trabalhem na polícia, fazem serviço de segurança ou dela necessite para sua defesa em situações especiais.
Um fato que me chamou atenção eu o registro: as policiais femininas mostraram extrema competência ao me fazerem abordagem e prisão. Costumo dizer que o mundo sempre pertenceu às mulheres e elas não se cansam de demonstrar isso. Muitos fingem em não acreditar numa verdade axiomática.
Eu estava com a consciência em paz, porque seria julgado e seria castigado por crime de culpa; não de dolo, porque, realmente jamais tive intenção de fazer uso de arma, nem mesmo como instrumento de defesa. Afinal, defender-me do quê?
Apesar dos castigos de que resultariam do julgamento, havia algo que jamais seria compensado, por mais rigorosas que fossem as penas: nada faria com que meu amigo retornasse à vida.
Embora eu não tenha mencionado, essa história ocorreu em duas fases distintas: na primeira eu acordei. Na segunda só acordei quando o carrilhão instalado na cozinha tocou às seis horas da manhã, seguido imediatamente pelo despertador programado no celular de Anésia, minha esposa.

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