De repente me vi cercado por vários garotos de rua, vestidos com roupas sujas, daquelas que nunca viram água e sabão. O destino desse vestuário será, inexoravelmente, o lixo. Havia ao todo cerca de cinco ou mais dessas crianças que dividem as ruas entre si, abordando transeuntes e lhes pedido algum trocado. Corri a mão no bolso do lado direito de minha calça e distribuí todas as moedinhas que alcancei. Pareciam satisfeitos, demonstrando gestos amistosos e, com isso, resolvi conversar como grupo, visando saber como retiram o sustento nas ruas, onde moram e de que vivem suas famílias; se freqüentam escolas, se, além disso, que ganham, têm outras rendas oriundas de algum tipo de trabalho. Enfim, eu fazia uma investigação completa. Não sei dizer por quanto tempo estivemos conversando, acredito que por algumas horas.
Já me preparava para sair e chegaram mais três habitantes de rua, garotos maiores, certamente adolescentes. Dois deles vestiam-se com camisas do flamengo e exibiam nas cabeças daquelas tocas feitas com velhas meias femininas, o outro, igualmente aos primeiros, vestia-se de roupa suja: uma camisa de malha tão grande que parecia mais ser um vestido, nem se podia ver se usasse bermuda. Com a chegada dos novos menores, nossa conversa evoluía para durar mais tempo. Com certeza, eu teria mais respostas às minhas indagações e tudo se parecia que aquele encontro permaneceria no mesmo clima de entendimento amigável. Enganei-me! Esses recém chegados, fazendo gesto brusco empenharam armas ameaçadoras e avisaram que aquilo era um assalto. Tentei lhes oferecer algum dinheiro; eles, porém, assoviaram e logo dois meliantes adultos me colocaram vendas e, sob a ameaça de armas de fogo que me cutucavam as costelas, enquanto dois me guiavam pelos braços e me ordenavam para que lhes obedecesse, que ficasse “bonzinho”, senão, ali mesmo me executariam.
De olhos vendados e sob as constantes ameaças tangíveis, eu, se quisesse permanecer vivo, o melhor que faria era mesmo obedecer. Enquanto eu era levado, não sei para onde, ouvi a seguinte conversa: “- Gente, hoje nóis tivemo sorte: pegamos peixe grande! A gente leva o coroa para lá, telefona para a gente dele, pedindo o resgate e tem que ser uma grana preta, esse véio é daqueles que anda malado. Quando nóis chegá lá, a gente conversa prá vê quanto a gente pede prá soltar o homi”.
Depois do que ouvi e sentindo aqueles trabucos me cutucando as costelas, eu não tinha dúvidas. Estava mesmo seqüestrado e havia no bando gente que eu só ouvia falar: deviam ser criminosos profissionais e de alta periculosidade. Mas, numa situação dessas, o que se deve fazer? Melhor, mesmo, era fazer aquilo que fazem pessoas que têm juízo, não tinha dúvidas: obedecer.
Desse momento em diante nada mais ouvi, pois me jogaram num porta malas de um veículo e saíram em alta velocidade. Para onde me levavam? A partir daí, imaginava o que poderia me acontecer: Será que imaginavam realmente que eu fosse pessoa de posses? Ou teriam se equivocado e me tomado como refém, imaginando que eu fosse outra pessoa? Não tendo como pagar um resgate de quantia exorbitante, qual seria meu destino? Você, leitor, já se imaginou metido numa encrenca dessas?
O ronco do motor de um carro que, certamente, tinha perfurações no silencioso, seria capaz de ruído como esse que eu ouvia e mais: cada buraco, cada ressalto na pista, eu sofria toda a sorte de pancadas. Tudo isso me deixava, a cada momento, mais fraco, mais impotente e mais incerto do meu destino. Depois de algumas horas, que me pareceram um século, finalmente aquele carro, que mais se parecia com instrumento de suplício, parou. Ouvi o toque cadenciado da buzina, como se estivesse produzindo sinais em código. Ouvi pessoas conversando e tive certeza: aquelas vozes eram estranhas; nada se parecendo com a fala dos garotos, nem dos primeiros e nem daqueles que me renderam. Imaginei que a turma era de tal forma organizada, que em cada etapa, havia o revezamento das equipes – certamente de uma grande quadrilha, que tinha na ponta menores infratores, mantidos e organizados por uma entidade bem estruturada.
Pensando bem, a incerteza tomava conta de mim. Será que não teriam cometido equívoco, seqüestrando pessoa errada, que estava no local e na hora errada? Mas se o escolhido tivesse, mesmo, sido eu, como minha família faria para conduzir negociações com os seqüestradores? Dependendo do valor do resgate, não teriam como juntar recursos, pois nossas posses mal poderiam cobrir um resgate, a menos que fosse dividido em suaves prestações e, ainda, utilizando cartão de crédito.
Depois de alguns minutos, que me pareceram uma eternidade, fui, ainda com olhos vendados, conduzido para o interior de um imóvel, que exalava odor de coisas emboloradas, provavelmente sem ventilação. Ouvi, em seguida: “ - Deixem nossa encomenda a sós e deixem que retire a venda dos olhos”. Quando abri os olhos percebi a claridade que entrava pelas frestas das persianas do nosso quarto e Anésia dizia: “ – Lembre-se que hoje é sábado e nosso primeiro compromisso e ir à feira de produtos orgânicos”. Felizmente nada acontecera nesta madrugada, exceto esse pequeno pesadelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário