domingo, 26 de junho de 2011

TRABALHO DE GARI



Neste domingo, acordei às seis horas da manhã e fui diretamente ao banheiro para uma ducha, que me limpasse o corpo, inclusive a alma.

Agora explico os motivos para essa providencial limpeza: passei toda a madrugada, trabalhando na limpeza pública; fiz juntada de lixo na margem da rodovia Carlos Lindemberg, desde a entrada para o bairro de Nossa Senhora da Penha até chegar a Jaburuna. Não sei por que razão eu resolvi prestar tal serviço à comunidade. A sensação sentida era de que, como gari, eu poderia contribuir para com uma faxina por essa movimentada via, que atravessa a cidade de Vila Velha – do bairro de São Torquatro ao centro.

Iniciei o trabalho juntando com rastelo todos os tipos de lixo que ia me deparando ao longo dessa via. Havia sujeira por todos os lados: sacolas de plástico vazias, garrafas pet, jornais aos pedaços, folhas secas das árvores, ainda caídas, algumas delas, desde o outono passado, algumas moitas de gramíneas secas, restos de papéis higiênicos e embalagens de produtos de limpeza diversos. Quando, já distante do ponto inicial, percebi que, pela ação do vento, todo o lixo amontoado, até então, havia se espalhado ao longo da rodovia. Em parte meu serviço estava perdido; somente uma varrição completa da via asfáltica da Lindemberg seria capaz de recuperar todo o serviço perdido.

Isso não me causou frustração nem desânimo. E eu continuava meu trabalho pacientemente, enquanto pedestres passavam; alguns em passos lentos e outros apressadamente. Crianças corriam, outras deslizavam com seus “skates” e outras corriam celeremente com suas bicicletas; algumas em silêncio enquanto outras tagarelavam. Nada impedia a continuidade do meu trabalho, mas, em determinado momento, um casal se aproximou de mim, dizendo: o senhor demonstra idade avançada, enquanto exibe muito vigor nesse trabalho. Por favor, qual sua idade? Ao que respondi: tenho 69 anos completos, estando próximo de completar setenta anos, embora não aparente; aparento ter muito mais! São as sequelas das enfermidades que já sofri ao longo desses anos: duas revascularizações do miocárdio, uma colocação da válvula de perfusão ventrículo peritoneal para controlar-me a hidrocefalia a que sou acometido; diabetes melitus há mais de trinta anos e hipertensão arterial. Tudo absolutamente sob controle. Apesar de tudo isso, tenho boa saúde, graças a Deus!

Tal casal foi o único a dialogar comigo. Inúmeras pessoas passarem próximas de mim, simplesmente ignorando-me a presença. Isso é comportamento típico de que a população procede, quando passa ao lado de algum gari; ele não deve ser incomodado ou o seu trabalho não representaria nada de importante. Então sua presença deve ser ignorada.

Enquanto isso, juntando lixo, capinando ervas daninhas; respirando a poeira da terra, o pó do asfalto e a fuligem resultante da queima dos combustíveis fósseis; meu corpo e minhas roupas recebiam toda essa imundície; mas, pacientemente e sem sentir qualquer tipo de cansaço, eu continuava meu trabalho, até que, cheguei a Jaburuna. Nesse local, iniciei a limpeza completa de uma oficina mecânica e ninguém tomou conhecimento da minha presença, nem mesmo me questionaram por que fazia esse trabalho sem que tivesse sido contratado. Eu o fazia espontaneamente, sem exigir qualquer contraprestação. Ali foi realizado o trabalho mais árduo: todos os móveis de aço repletos de peças oxidadas (enferrujadas) desprendiam um pó escuro avermelhado, que se juntava aos resíduos de óleos e graxas. Nessa etapa, usando estopas, eu espanava todos os móveis e limpava uma a uma todas as peças de ferramentas de trabalho, sucatas de parafusos, porcas e outros materiais descartáveis.

Isso tudo representou uma excelente experiência de como deve ser visto o trabalho desses incansáveis garis.

Tudo explicado?

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